Tema do 11º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 11º Domingo do Tempo
Comum convida-nos a olhar para a vida e para o mundo com confiança e esperança.
Deus, fiel ao seu plano de salvação, continua, hoje como sempre, a conduzir a
história humana para uma meta de vida plena e de felicidade sem fim.
Na primeira leitura, o profeta
Ezequiel assegura ao Povo de Deus, exilado na Babilónia, que Deus não esqueceu
a Aliança, nem as promessas que fez no passado. Apesar das vicissitudes, dos
desastres e das crises que as voltas da história comportam, Israel deve
continuar a confiar nesse Deus que é fiel e que não desistirá nunca de oferecer
ao seu Povo um futuro de tranquilidade, de justiça e de paz sem fim.
O Evangelho apresenta uma catequese
sobre o Reino de Deus – essa realidade nova que Jesus veio anunciar e propor.
Trata-se de um projeto que, avaliado à luz da lógica humana, pode parecer
condenado ao fracasso; mas ele encerra em si o dinamismo de Deus e acabará por
chegar a todo o mundo e a todos os corações. Sem alarde, sem pressa, sem
publicidade, a semente lançada por Jesus fará com que esta realidade velha que
conhecemos vá, aos poucos, dando lugar ao novo céu e à nova terra que Deus quer
oferecer a todos.
A segunda leitura recorda-nos que a
vida nesta terra, marcada pela finitude e pela transitoriedade, deve ser vivida
como uma peregrinação ao encontro de Deus, da vida definitiva. O cristão deve
estar consciente de que o Reino de Deus (de que fala o Evangelho de hoje),
embora já presente na nossa atual caminhada pela história, só atingirá a sua plena
maturação no final dos tempos, quando todos os homens e mulheres se sentarem à
mesa de Deus e receberem de Deus a vida que não acaba. É para aí que devemos
tender, é essa a visão que deve animar a nossa caminhada.
LEITURA I – Ez 17, 22-24
Leitura da profecia de Ezequiel
Eis o que diz o Senhor Deus:
«Do cimo do cedro frondoso, dos
seus ramos mais altos,
Eu próprio arrancarei um ramo novoPl
e vou plantá-lo num monte muito
alto.
Na excelsa montanha de Israel o
plantarei
e ele lançará ramos e dará frutos
e tornar-se-á um cedro majestoso.
Nele farão ninho todas as aves,
toda a espécie de pássaros habitará
à sombra dos seus ramos.
E todas as árvores do campo hão-de
saber
que Eu sou o Senhor;
humilho a árvore elevada e elevo a
árvore modesta,
faço secar a árvore verde e
reverdeço a árvore seca.
Eu, o Senhor, digo e faço».
AMBIENTE
No ano de 609 a. C., o faraó Necao
derrotou o rei Josias e colocou no trono de Judá Joaquim, que durante algum
tempo foi vassalo do Egipto. Contudo, em 605 a.C., Nabucodonosor derrotou as
tropas assírias e egípcias em Carquemish, prosseguiu a sua campanha em direcção
ao Egipto e assumiu o controlo da Síria e da Palestina. Joaquim ficou a pagar
tributo aos babilónios. Quando, em 601, Nabucodonosor não conseguiu conquistar
o Egipto, Joaquim julgou chegada a hora de se libertar do domínio babilónico.
Contudo, Nabucodonosor reagiu sitiando Jerusalém, em 598 a. C., e Joaquim
morreu durante o cerco, ou foi deportado para a Babilónia. Sucedeu-lhe Jeconias
que, ao fim de três meses de resistência, se rendeu aos babilónios (597 a.C.).
Nabucodonosor instalou, então, no
trono de Judá um tal Sedecias. Durante algum tempo, Judá manteve-se tranquilo,
pagando pontualmente os tributos devidos aos babilónios; mas, ao fim de algum
tempo, aproveitando a conjuntura política favorável, Sedecias aliou-se com os
egípcios e deixou de pagar o tributo. Nabucodonosor enviou imediatamente um
exército que cercou Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio,
Jerusalém teve de se render aos babilónios. Sedecias, aproveitando as sombras
da noite, tentou fugir da cidade; mas foi feito prisioneiro, viu os seus filhos
serem assassinados e ele próprio foi levado prisioneiro para a Babilónia, onde
acabou os seus dias.
Ezequiel, o “profeta da esperança”,
exerceu o seu ministério na Babilónia no meio dos exilados judeus. O profeta
fez parte de uma primeira “leva” de exilados que, em 597 a.C., chegou à
Babilónia, após a derrota de Jeconias.
A primeira fase do ministério de
Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e
586 a.C. (data em que Jerusalém foi conquistada uma segunda vez pelos exércitos
de Nabucodonosor e um novo grupo de exilados foi encaminhado para a Babilónia).
Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos
exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder
regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das
infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao
primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
É precisamente neste contexto que
Ezequiel propõe “um enigma”, “uma parábola”, que nos é apresentada ao longo do
capítulo 17 do seu livro. Fala de uma “águia” (provavelmente o rei
Nabucodonosor), que “veio do Líbano comer a ponta do cedro. Apanhou o ramo mais
elevado” (provavelmente o rei Jeconias) e levou-o para o país dos comerciantes
(isto é, a Babilónia). Em seu lugar, plantou outra árvore (provavelmente
Sedecias). Esta árvore, uma “videira”, não irá, contudo, prosperar, apesar das
tentativas de aliança com o Egipto. Mais, será levado prisioneiro para a
Babilónia e lá morrerá (Ez 17,10).
A mensagem deste “enigma” é óbvia:
os exilados não devem alimentar ilusões ao ver as jogadas políticas de
Sedecias, aliado com os egípcios. A política de Sedecias, em Jerusalém, não
significará a liberdade dos exilados, mas, pelo contrário, conduzirá a uma nova
catástrofe.
Estará então tudo terminado? Já não
há esperança? Deus abandonou definitivamente o seu Povo e esqueceu as suas
promessas de salvação?
É precisamente aqui que se encaixa
o oráculo de salvação que a primeira leitura deste domingo nos apresenta: não,
apesar das dramáticas circunstâncias do tempo presente, Deus não abandonou o
seu Povo, mas irá construir com ele uma história nova, de salvação e de graça.
MENSAGEM
Deus não esqueceu a promessa feita,
por intermédio do profeta Natan (cf. 2 Sm 7), e na qual assegurou a David a
continuidade do seu trono. É verdade que a dinastia de David (o “ramo mais
elevado” do “cedro” – Ez 17,3-4) foi arrancada; mas Deus não abandonou o seu
Povo: Ele próprio vai tomar um “ramo novo”, plantá-lo na montanha de Israel,
fazê-lo dar frutos e torná-lo uma árvore resistente e de grande porte (Ez
17,22-23) – ou seja, irá restabelecer a dinastia davídica em Jerusalém, assegurando
ao seu Povo um futuro pleno de vida, de felicidade e de paz sem fim.
O texto sublinha, antes de mais, a
presença omnipotente de Deus na história da humanidade. Ele preside à história
humana, tem um projecto de salvação e conduz sempre a caminhada dos homens de
acordo com o seu plano. O poder orgulhoso dos impérios humanos nada pode contra
esse Deus que é o Senhor da história e que, com paciência e amor, vai
concretizando o seu projecto.
Além disso, Ezequiel assegura aos
exilados a “fidelidade” de Deus às suas promessas. Deus não falha, não esquece
os seus compromissos, não abandona esse Povo com quem se comprometeu. Mesmo
afogado na angústia e no sofrimento, mesmo mergulhado num horizonte de
desespero, Israel tem de aprender a confiar nesse Deus que é sempre fiel às
suas promessas e aos compromissos que assumiu com o seu Povo no âmbito da
Aliança. Tudo pode cair, tudo pode falhar; só Deus não falha.
O nosso texto contém ainda uma
indicação sobre a forma de actuar de Deus, sobre a “estranha” lógica de Deus:
Ele toma aquilo que é pequeno aos olhos dos homens (“um ramo novo” – Ez 17,22)
e, através dele, vence o orgulho e a prepotência, confunde os poderosos e
exalta os humildes. Deus prefere os pequenos, os débeis, os pobres (aqueles que
na sua humildade e simplicidade estão sempre disponíveis para acolher os
desafios e os dons de Deus); e é através deles que concretiza os seus projectos
de salvação e de graça.
Estes poucos versículos contêm um
imenso capital de esperança, que deve alimentar e animar, hoje como ontem, a
caminhada do Povo de Deus pela história.
ATUALIZAÇÃO
¨ Essencialmente, o texto de
Ezequiel que a liturgia deste domingo nos propõe garante que Deus conduz sempre
a história humana de acordo com o seu projecto de salvação e mantém-se fiel às
promessas feitas ao seu Povo. Esta “lição” não pode ser esquecida e essa
certeza deve levar-nos a encarar os dramas e desafios do tempo actual com
confiança e esperança. Não estamos abandonados à nossa sorte; Deus não desistiu
desta humanidade que Ele ama e continua a querer salvar. É verdade que a hora
actual que a humanidade atravessa está marcada por sombras e graves
inquietações; mas também é verdade que Deus continua a acompanhar cada passo
que damos e a apontar-nos caminhos de vida. A última palavra – uma palavra que
não pode deixar de ser de salvação e de graça – será sempre de Deus. Ancorados
nessa certeza, temos de vencer o medo e o pessimismo que, por vezes, nos
paralisam e dar aos homens nossos irmãos um testemunho de esperança, de serena
confiança.
¨ A referência – mil vezes repetida
ao longo da Bíblia – à tal “estranha lógica” de Deus, que se serve do que é
débil e frágil para concretizar os seus projectos de salvação, convida-nos a
mudar os nossos critérios de avaliação e a nossa atitude face ao mundo e face
aos que nos rodeiam. Por um lado, ensina-nos a valorizar aquilo e aquelas
pessoas que o mundo, por vezes, marginaliza ou despreza; ensina-nos, por outro
lado, que as grandes realizações de Deus não estão dependentes das grandes capacidades
dos homens, mas antes da vontade amorosa de Deus; ensina-nos ainda que o
fundamental, para sermos agentes de Deus, não é possuir brilhantes qualidades
humanas, mas uma atitude de disponibilidade humilde que nos leve a acolher os
apelos e desafios de Deus.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)
Refrão: É bom louvar-Vos, Senhor.
É bom louvar o Senhor
e cantar salmos ao vosso nome, ó
Altíssimo,
proclamar pela manhã a vossa
bondade
e durante a noite a vossa
fidelidade.
O justo florescerá como a palmeira,
crescerá como o cedro do Líbano;
plantado na casa do Senhor,
florescerá nos átrios do nosso
Deus.
Mesmo na velhice dará o seu fruto,
cheio de seiva e de vigor,
para proclamar que o Senhor é
justo:
n’Ele, que é o meu refúgio, não há
iniquidade.
LEITURA II – 2 Cor 5, 6-10
Leitura da Segunda Epístola do
apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Nós estamos sempre cheios de
confiança,
sabendo que, enquanto habitarmos
neste corpo,
vivemos como exilados, longe do
Senhor,
pois caminhamos à luz da fé e não
da visão clara.
E com esta confiança, preferíamos
exilar-nos do corpo,
para irmos habitar junto do Senhor.
Por isso nos empenhamos em ser-Lhe
agradáveis,
quer continuemos a habitar no
corpo,
quer tenhamos de sair dele.
Todos nós devemos comparecer perante
o tribunal de Cristo,
para que receba cada qual o que
tiver merecido,
enquanto esteve no corpo,
quer o bem, quer o mal.
AMBIENTE
Por volta de 56/57, chegam a
Corinto missionários itinerantes que se apresentam como apóstolos e criticam
Paulo, lançando a confusão na comunidade. Provavelmente, trata-se desses
“judaizantes” que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei de Moisés
(embora também possam ser cristãos que condenam a severidade de Paulo e que
apoiam o laxismo da vida dos coríntios). De qualquer forma, Paulo é informado
de que a validade do seu ministério está a ser desafiada e dirige-se a toda a
pressa para Corinto, disposto a enfrentar o problema. O confronto é violento e
Paulo é gravemente injuriado por um membro da comunidade (cf. 2 Cor 2,5-11;
7,11). Na sequência, Paulo abandona Corinto e parte para Éfeso. Passado algum
tempo, Paulo envia Tito a Corinto, a fim de tentar a reconciliação. Quando Tito
regressa, traz notícias animadoras: o diferendo foi ultrapassado e os coríntios
estão, outra vez, em comunhão com Paulo. É nessa altura que Paulo, aliviado e
com o coração em paz, escreve esta Carta aos Coríntios, fazendo uma tranquila
apologia do seu apostolado.
O texto que nos é proposto está
incluído na primeira parte da Carta (2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo reflecte e
escreve sobre a grandeza e as dificuldades, os riscos e as compensações do
ministério apostólico.
Na perícopa que vai de 4,16 a 5,10,
Paulo defende a ideia de que, apesar de tudo, vale a pena acolher os desafios
de Deus: no final do caminho percorrido nesta terra, espera-nos uma vida nova,
uma vida plena e eterna. Para pintar o contraste entre a vida nesta terra e a
vida futura, Paulo utiliza (cf. 2 Cor 5,1-4) a imagem da tenda que se monta e
desmonta (que representa a vida transitória e corruptível desta terra) e da
casa solidamente construída (que representa a vida plena e eterna).
MENSAGEM
A vida terrena, passageira e mortal
é, para Paulo, um exílio “longe do Senhor” (vers. 6). Esse tempo de exílio
neste mundo caracteriza-se por um conhecimento de Deus parcial: é o tempo da
fé. Paulo – como todos os verdadeiros crentes – anseia pelo tempo “da visão” –
isto é, pelo tempo do encontro face a face com Deus. Então, a vida caduca e
transitória dará lugar a uma vida gloriosa e indestrutível.
Uma leitura simplista destes
versículos poderia transmitir a ideia de que Paulo negligencia a vida terrena;
contudo, essa ideia não é exacta… Para Paulo, a perspectiva dessa outra vida
nova, plena e eterna, não significa um alhear-se das responsabilidades que
temos, como crentes, enquanto caminhamos neste mundo finito e transitório. Aos
crentes compete, enquanto “habitam este corpo” mortal, viver de acordo com as
exigências de Deus, caminhar à luz da fé, assumir as suas responsabilidades
enquanto discípulos comprometidos com Cristo e com o seu Reino. A perspectiva
dessa vida plena que nos espera para além desta terra deve estar
permanentemente no horizonte do crente que caminha pela história, fundamentar e
iluminar o seu compromisso e a sua fidelidade a Jesus Cristo e ao Evangelho.
De resto, a preocupação de Paulo
não é apresentar uma doutrina escatológica perfeitamente definida; mas é,
sobretudo, lembrar aos cristãos a sua condição de peregrinos, que “não têm
morada permanente” nesta terra: o destino final de cada homem ou mulher é o
encontro com o Senhor, a vida plena e definitiva.
ATUALIZAÇÃO
¨ A cultura actual é uma cultura do
provisório, que dá prioridade ao que é efémero sobre as realidades perenes com
a marca da eternidade: propõe que se viva ao sabor do imediato e do momento, e
subalterniza as opções definitivas e os valores duradouros. É também uma
cultura do bem-estar material: ao seduzir os homens com o brilho dos bens
perecíveis, ao potenciar o reinado do “ter” sobre o “ser”, escraviza o homem e
relativiza a sua busca de eternidade. É ainda uma cultura da facilidade, que
ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e luta: produz pessoas
incapazes de lutar por objectivos exigentes e por realizar projectos que exijam
esforço, fidelidade, compromisso, sacrifício. Neste contexto, a palavra de
Paulo aos cristãos de Corinto soa a desafio profético: é necessário que
tenhamos sempre diante dos olhos a nossa condição de “peregrinos” nesta terra e
que aprendamos a dar valor àquilo que tem a marca da eternidade. É nos valores
duradouros – e não nos valores efémeros e passageiros – que encontramos a vida
plena. O fim último da nossa existência não está nesta terra; o nosso horizonte
e as nossas apostas devem apontar sempre para o mais além, para a vida plena e
definitiva.
¨ Contudo, o facto de vivermos a
olhar para o mais além não pode levar-nos a ignorar as realidades terrenas e os
compromissos com a construção da cidade dos homens. O Reino de Deus – que
atingirá a sua plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório e o
efémero da vida presente – começa a ser construído nesta terra e exige o nosso
compromisso pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais
verdadeiro. Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas
responsabilidades em testemunhar os gestos e os valores de Cristo.
ALELUIA
Aleluia. Aleluia.
A semente é a palavra de Deus e o
semeador é Cristo:
quem O encontrar permanecerá para
sempre.
EVANGELHO – Mc 4, 26-34
Evangelho de Nosso Senhor Jesus
Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
disse Jesus à multidão:
«O reino de Deus é como um homem
que lançou a semente à terra.
Dorme e levanta-se, noite e dia,
enquanto a semente germina e
cresce, sem ele saber como.
A terra produz por si, primeiro a
planta, depois a espiga,
por fim o trigo maduro na espiga.
E quando o trigo o permite, logo
mete a foice,
porque já chegou o tempo da
colheita».
Jesus dizia ainda:
«A que havemos de comparar o reino
de Deus?
Em que parábola o havemos de
apresentar?
É como um grão de mostarda, que, ao
ser semeado na terra,
é a menor de todas as sementes que
há sobre a terra;
mas, depois de semeado, começa a
crescer,
e torna-se a maior de todas as
plantas da horta,
estendendo de tal forma os seus
ramos
que as aves do céu podem abrigar-se
à sua sombra».
Jesus pregava-lhes a palavra de
Deus
com muitas parábolas como estas,
conforme eram capazes de entender.
E não lhes falava senão em
parábolas;
mas, em particular, tudo explicava
aos seus discípulos.
AMBIENTE
Na primeira parte do Evangelho
segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que
proclama o Reino de Deus. Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras
e gestos, anuncia um mundo novo (o “Reino de Deus”), livre do egoísmo, da
opressão, da injustiça e de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter
acesso à vida verdadeira.
Estamos na Galileia, nos primeiros
tempos do anúncio do Reino. Uma grande multidão segue Jesus, a fim de escutar
os seus ensinamentos (cf. Mc 3,7.20.32; 4,1). Para fazer chegar a todos a sua
proposta, Jesus precisará de utilizar uma linguagem acessível, viva, questionadora,
concreta, desafiadora, evocadora, pedagógica, que pudesse semear no coração dos
ouvintes a consciência dessa nova e revolucionária realidade que Ele queria
propor. É neste contexto que nos aparecem as “parábolas”.
As “parábolas” são uma linguagem
habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o génio oriental gosta mais
de falar e instruir através de imagens, de comparações, de alegorias, do que
através de um discurso mais lógico, mais frio, mais racional. De resto, a
linguagem parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais
racional e expositivo. Que vantagens?
Em primeiro lugar, é uma excelente
arma de controvérsia. A linguagem figurada permite levar o interlocutor a
admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância.
A parábola é, pois, um bom instrumento de diálogo, sobretudo em contextos
polémicos (como era, quase sempre, o contexto em que Jesus pregava).
Em segundo lugar, a imagem ou
comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de
comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição teórica. Talvez
seja uma linguagem mais vaga e imprecisa, do ponto de vista racional; mas é
mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, “mexe”
mais com os ouvintes.
Em terceiro lugar, porque a
linguagem parabólica – muito mais do que outro tipo de linguagem – espicaça a
curiosidade e incita à busca. Na sua simplicidade, torna-se um verdadeiro
método pedagógico, que leva as pessoas a pensar por si, a medir os prós e os
contras, a tirar conclusões, a interiorizar soluções e a integrá-las na própria
vida. É uma linguagem que, mais do que injectar nas pessoas soluções feitas, as
leva a reflectir e a tirar daí as devidas consequências. Trata-se, pois, de
linguagem altamente subversiva: ensina o povo a pensar, a ser crítico, a
descobrir onde está a verdade. Ora, isso é altamente incómodo para os
defensores do mundo velho e da ordem estabelecida.
Uma linguagem tão sugestiva não
podia ser ignorada por Jesus no seu anúncio do “Reino de Deus”. É neste
contexto que devemos entender as duas parábolas que o Evangelho deste domingo
nos apresenta.
MENSAGEM
A primeira parábola (vers. 26-29) é
a do grão que germina e cresce por si só. A parábola refere a intervenção do
agricultor apenas no acto de semear e no acto de ceifar. Cala, de propósito,
qualquer menção às demais ações do agricultor: arar a terra, regar a semente,
tirar as ervas que a impedem de crescer… Ao narrador interessa apenas que,
entre a sementeira e a colheita, a semente vá crescendo e amadurecendo, sem que
o homem intervenha para impedir ou acelerar o processo. A questão essencial não
é o que o agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente. O resultado final
não depende dos esforços e da habilidade do homem, mas sim do dinamismo da
semente que foi lançada à terra. Desta forma, o narrador ensina que o Reino de
Deus (a semente) é uma iniciativa divina: é Deus quem actua no silêncio da
noite, no tumulto do dia ou na turbulência da história para que o Reino
aconteça; e nenhum obstáculo poderá frustrar o seu plano. Provavelmente, a
parábola é dirigida contra todas as posturas que pretendiam forçar a vinda do
Reino – a dos zelotas que queriam instaurar o Reino através da violência das
armas, a dos fariseus que pretendiam forçar o aparecimento do Reino com a
obediência a uma disciplina legal, a dos apocalípticos que faziam cálculos
precisos sobre a data da irrupção do Reino. Não adianta forçar o tempo ou os
resultados: é Deus que dirige a marcha da história e que fará com que o Reino
aconteça, de acordo com o seu tempo e o seu projecto. Desta forma, a parábola
convida à serenidade e à confiança nesse Deus que não dorme nem se demite e que
não deixará de realizar, a seu tempo e de acordo com a sua lógica, o seu plano
para os homens e para o mundo.
A segunda parábola (vers. 30-32) é
a do grão de mostarda. O narrador pretende, fundamentalmente, pôr em relevo o
contraste entre a pequenez da semente (a semente da mostarda negra tem um diâmetro
aproximado de 1,6 milímetros e era a semente mais pequena, no entendimento
popular palestino; a tradição judaica celebrava com provérbios a sua pequenez)
e a grandeza da árvore (nas margens do lago da Galileia alcançava uma altura de
2 a 4 metros). A comparação serve para dizer que a semente do Reino lançada
pelo anúncio de Jesus pode parecer uma realidade pequena e insignificante, mas
está destinada a atingir todos os cantos do mundo, encarnando em cada pessoa,
em cada povo, em cada sociedade, em cada cultura. O Reino de Deus, ainda que
tenha inícios modestos ou que se apresente com sinais de debilidade e pequenez
aos olhos do mundo, tem uma força irresistível, pois encerra em si o dinamismo
de Deus. Além disso, a parábola retoma um tema que já havíamos encontrado na
primeira leitura: Deus serve-Se de algo que é pequeno e insignificante aos
olhos do mundo para concretizar os seus projectos de salvação e de graça em
favor dos homens.
A parábola é um convite à
esperança, à confiança e à paciência. Nos factos aparentemente irrelevantes, na
simplicidade e normalidade de cada dia, na insignificância dos meios,
esconde-se o dinamismo de Deus que actua na história e que oferece aos homens
caminhos de salvação e de vida plena.
ATUALIZAÇÃO
¨ Antes de mais, o Evangelho deste
domingo garante-nos que Deus tem em marcha um projecto destinado a oferecer aos
homens a vida e a salvação. Pode parecer que a nossa história caminha entregue
ao acaso ou aos caprichos dos líderes; pode parecer que a história humana
entrou em derrapagem e que, no final do caminho, nos espera o abismo; mas é
Deus que conduz a história, que lhe imprime o seu dinamismo, que está presente
em todos os passos do nosso caminho. Deus caminha connosco e, garantidamente,
leva-nos pela mão ao encontro de um final feliz. Num tempo histórico como o
nosso, marcado por “sombras”, por crises e por graves inquietações, este é um
dos testemunhos mais importantes que podemos, como crentes, oferecer aos nossos
irmãos escravizados pelo desespero e pelo medo.
¨ O projecto de salvação que Deus
tem para a humanidade revela-se no anúncio do Reino, feito por Jesus de Nazaré.
Nas suas palavras, nos seus gestos, Jesus propôs um caminho novo, uma nova
realidade; lançou a semente da transformação dos corações, das mentes e das
vontades, de forma a que a vida dos homens e das sociedades se construa de
acordo com os esquemas de Deus. Essa semente não foi lançada em vão: está entre
nós e cresce por acção de Deus. Resta-nos acolher essa semente e deixar que
Deus realize a sua acção. Resta-nos também, como discípulos de Jesus, continuar
a lançar essa semente do Reino, a fim de que ela encontre lugar no coração de
cada homem e de cada mulher.
¨ Os que, continuando a missão de
Jesus, anunciam a Palavra (que lançam a semente) não devem preocupar-se com a
forma como ela cresce e se desenvolve. Devem, apenas, confiar na eficácia da
Palavra anunciada, conformar-se com o tempo e o ritmo de Deus, confiar na acção
de Deus e no dinamismo intrínseco da Palavra semeada. Isso equivale a respeitar
o crescimento de cada pessoa, o seu processo de maturação, a sua busca de
caminhos de vida e de plenitude. Não nos compete exigir que os outros caminhem
ao nosso ritmo, que pensem como nós, que passem pelas mesmas experiências e
exigências que para nós são válidas. Há que respeitar a consciência e o ritmo
de caminhada de cada homem ou mulher – como Deus sempre faz.
¨ A referência à pequenez da
semente (segunda parábola) convida-nos – como já o havia feito a primeira
leitura deste domingo – a rever os nossos critérios de actuação e a nossa forma
de olhar o mundo e os nossos irmãos. Por vezes, é naquilo que é pequeno, débil
e aparentemente insignificante que Deus Se revela. Deus está nos pequenos, nos
humildes, nos pobres, nos que renunciaram a esquemas de triunfalismo e de
ostentação; e é deles que Deus Se serve para transformar o mundo. Atitudes de
arrogância, de ambição desmedida, de poder a qualquer custo, não são sinais do
Reino. Sempre que nos deixamos levar por tentações de grandeza, de orgulho, de prepotência,
de vaidade, estamos a frustrar o projecto de Deus, a impedir que o Reino de
Deus se torne realidade no mundo e nas nossas vidas.
A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana
anterior ao 11º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus
deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo…
Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da
paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa
comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a
Palavra de Deus.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E
ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel
Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes
do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129
LISBOA – Portugal
scj.lu@netcabo.pt –
www.dehonianos.org
FONTE:
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da Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus - Dehonianos.
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