SEJA MISSIONÁRIO!
FONTE:
(OBS: EM PORTUGUÊS DE PORTUGAL):
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
scj.lu@netcabo.pt – www.dehonianos.org
Tema do 14º Domingo do Tempo
Comum
A liturgia deste domingo revela
que Deus chama, continuamente, pessoas para serem testemunhas no mundo do seu
projecto de salvação. Não interessa se essas pessoas são frágeis e limitadas; a
força de Deus revela-se através da fraqueza e da fragilidade desses
instrumentos humanos que Deus escolhe e envia.
A primeira leitura apresenta-nos
um extracto do relato da vocação de Ezequiel. A vocação profética é aí
apresentada como uma iniciativa de Jahwéh, que chama um “filho de homem” (isto
é, um homem “normal”, com os seus limites e fragilidades) para ser, no meio do
seu Povo, a voz de Deus.
Na segunda leitura, Paulo
assegura aos cristãos de Corinto (recorrendo ao seu exemplo pessoal) que Deus
actua e manifesta o seu poder no mundo através de instrumentos débeis, finitos
e limitados. Na acção do apóstolo – ser humano, vivendo na condição de
finitude, de vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e aos
homens a força e a vida de Deus.
O Evangelho, ao mostrar como
Jesus foi recebido pelos seus conterrâneos em Nazaré, reafirma uma ideia que
aparece também nas outras duas leituras deste domingo: Deus manifesta-Se aos
homens na fraqueza e na fragilidade. Quando os homens se recusam a entender
esta realidade, facilmente perdem a oportunidade de descobrir o Deus que vem ao
seu encontro e de acolher os desafios que Deus lhes apresenta.
LEITURA I – Ez 2,2-5
Leitura da Profecia de Ezequiel
Naqueles dias,
o Espírito entrou em mim e fez-me
levantar.
Ouvi então Alguém que me dizia:
«Filho do homem,
Eu te envio aos filhos de Israel,
a um povo rebelde que se revoltou
contra Mim.
Eles e seus pais ofenderam-Me até
ao dia de hoje.
É a esses filhos de cabeça dura e
coração obstinado
que te envio, para lhes dizeres:
‘Eis o que diz o Senhor’.
Podem escutar-te ou não
- porque são uma casa de rebeldes
-,
mas saberão que há um profeta no
meio deles».
AMBIENTE
Ezequiel, o “profeta da
esperança”, exerceu o seu ministério na Babilónia no meio dos exilados judeus.
O profeta fez parte dessa primeira leva de exilados que, em 597 a.C.,
Nabucodonosor deportou para a Babilónia.
A primeira fase do ministério de
Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e
586 a.C. (data em que Jerusalém foi conquistada uma segunda vez pelos exércitos
de Nabucodonosor e uma nova leva de exilados foi encaminhada para a Babilónia).
Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos
exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder
regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das
infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao
primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
A segunda fase do ministério de
Ezequiel desenrolou-se a partir de 586 a.C. e prolongou-se até cerca de 570
a.C.. Instalados numa terra estrangeira, privados de Templo, de sacerdócio e de
culto, os exilados estavam desiludidos e duvidavam de Jahwéh e do compromisso
que Deus tinha assumido com o seu Povo. Nessa fase, Ezequiel procurou alimentar
a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador
e libertador não tinha abandonado nem esquecido o seu Povo.
O texto que nos é proposto hoje
como primeira leitura faz parte do relato da vocação de Ezequiel (cf. Ez
1,1-3,27). Depois de descrever a manifestação de Deus, num quadro que apresenta
todas as características especiais das teofanias (cf. Ez 1,1-28), o profeta
apresenta um discurso no qual Jahwéh define a missão que lhe vai confiar (cf.
Ez 2,1-3,15). O episódio é situado “no quinto ano do cativeiro do rei Joaquin”,
“na Caldeia, nas margens do rio Cabar” (Ez 1,2).
Seria um erro interpretar este
relato como informação biográfica… Trata-se, antes, de mostrar – com a
linguagem da época e utilizando os processos típicos da literatura da época –
que o profeta recebeu uma missão de Deus e que fala e actua em nome de Deus.
MENSAGEM
O nosso texto apresenta alguns
dos elementos típicos dos relatos de vocação e que fazem parte de qualquer
história de vocação.
Sugere-se, em primeiro lugar, que
a vocação profética é um desígnio divino. Não se nomeia Jahwéh directamente;
mas aquele que chama Ezequiel não pode ser outro senão Deus… O nosso texto é
antecedido (cf. Ez 1,1-28) de uma solene manifestação de Deus. Depois, o
profeta ouve uma “voz” que o chama (vers. 2) e que revela a Ezequiel que deve
dirigir-se a esse Povo rebelde que se insurgiu contra Deus. Há também uma
referência ao “espírito” que se apossou do profeta e o fez “levantar”; de
acordo com a reflexão judaica, era Deus que comunicava uma força divina – o seu
“espírito” – àqueles que escolhia para enviar a salvar o seu Povo, como os
juízes (cf. Jz 14,6.19; 15,14), os reis (cf. 1 Sam 10,6.10; 16,13) e os profetas
(no caso de Ezequiel, esse “espírito” aparece como uma manifestação
especialmente violenta de Deus, que se apossa do profeta e o destina para o seu
serviço). A vocação é sempre uma iniciativa de Deus e não uma escolha do homem.
Foi Deus que chamou Ezequiel e que o designou para o seu serviço.
Em segundo lugar, aparece a ideia
de que o chamamento é dirigido a um homem. Ezequiel é chamado “filho de homem”
(vers. 3) – expressão hebraica que significa simplesmente “homem ligado à
terra, fraco e mortal. Deus chama homens frágeis e limitados, não seres
extraordinários, etéreos, dotados de capacidades incomuns… O que é decisivo não
são as qualidades extraordinárias do profeta, mas o chamamento de Deus e a
missão que Deus lhe confia. A indignidade e a limitação, típicas do “filho do
homem”, não são impeditivas para a missão: a eleição divina dá ao profeta
autoridade, apesar dos seus limites bem humanos.
Em terceiro lugar, temos a
definição da missão. Ezequiel, o profeta, é enviado a um Povo rebelde, que
continuamente se afasta dos caminhos de Jahwéh. A sua missão é apresentar a
esse Povo as propostas de Deus. O mais importante não é que as palavras do
profeta sejam ou não escutadas; o que é importante é que o profeta seja, no
meio do Povo, a voz que indica os caminhos de Deus (vers. 4-5).
A vida de Ezequiel realizou
integralmente o projecto de Deus. Chamado por Jahwéh, ele foi, no meio do Povo
exilado na Babilónia, uma voz humana através da qual Deus apresentou ao seu
Povo o caminho para a vida plena e verdadeira. É essa a missão do profeta.
ACTUALIZAÇÃO
• Os “profetas” não são um grupo
humano extinto há muitos séculos, mas são uma realidade com que Deus continua a
contar para intervir no mundo e para recriar a história. Quem são, hoje, os
profetas? Onde estão eles?
• No Baptismo, fomos ungidos como
profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós tem a sua história de vocação
profética: de muitas formas Deus entra na nossa vida, desafia-nos para a
missão, pede uma resposta positiva à sua proposta. Temos consciência de que
Deus nos chama – às vezes de formas bem banais – à missão profética? Estamos
atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e através dos quais Ele nos
diz, dia a dia, o que quer de nós? Temos a noção de que somos a “boca” através
da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
• O profeta é o homem que vive de
olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo (numa mão a Bíblia, na outra o
jornal diário). Vivendo em comunhão com Deus e intuindo o projecto que Ele tem
para o mundo, e confrontando esse projecto com a realidade humana, o profeta
percebe a distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que
ele intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir.
Somos estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às
realidades que desfeiam o nosso mundo? Em concreto, em que situações sou
chamado, no dia a dia, a exercer a minha vocação profética?
• A denúncia profética implica,
tantas vezes, a perseguição, o sofrimento, a marginalização e, em tantos casos,
a própria morte (Óscar Romero, Luther King, Gandhi…). Como lidamos com a
injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade dos homens? O medo, o
comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de ser profetas?
• É preciso ter consciência,
também, que as nossas limitações e indignidades muito humanas não podem servir
de desculpa para realizar a missão que Deus quer confiar-nos: se Ele nos pede
um serviço, dar-nos-á também a força para superar os nossos limites e para
cumprir o que nos pede. As fragilidades que fazem parte da nossa humanidade não
podem, em nenhuma circunstância, servir de desculpa para não cumprirmos a nossa
missão profética no meio dos nossos irmãos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 122
(123)
Refrão: Os nossos olhos estão
postos no Senhor,
até que Se compadeça de nós.
Levanto os olhos para Vós,
para Vós que habitais no Céu,
como os olhos do servo
se fixam nas mãos do seu senhor.
Como os olhos da serva
se fixam nas mãos da sua senhora,
assim os nossos olhos se voltam
para o Senhor nosso Deus,
até que tenha piedade de nós.
Piedade, Senhor, tende piedade de
nós,
porque estamos saturados de
desprezo.
A nossa alma está saturada do
sarcasmo dos arrogantes
e do desprezo dos soberbos.
LEITURA II – 2Cor 12,7-10
Leitura da Segunda Epístola do
apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Para que a grandeza das
revelações não me ensoberbeça,
foi-me deixado um espinho na
carne,
- um anjo de Satanás que me
esbofeteia -
para que não me orgulhe.
Por três vezes roguei ao Senhor
que o apartasse de mim.
Mas Ele disse-me: «Basta-te a
minha graça,
porque é na fraqueza que se
manifesta todo o meu poder».
Por isso, de boa vontade me
gloriarei das minhas fraquezas,
para que habite em mim o poder de
Cristo.
Alegro-me nas minhas fraquezas,
nas afrontas, nas adversidades,
nas perseguições e nas angústias sofridas
por amor de Cristo,
porque, quando sou fraco, então é
que sou forte.
AMBIENTE
A Segunda Carta de Paulo aos
Coríntios espelha uma época de relações conturbadas entre Paulo e os cristãos
de Corinto. As críticas de Paulo a alguns membros da comunidade que levavam uma
vida pouco consentânea com os valores cristãos (Primeira Carta aos Coríntios)
provocaram uma reacção extremada e uma campanha organizada no sentido de
desacreditar Paulo. Essa campanha foi instigada por certos missionários
itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se
consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de
Paulo. Entre outras coisas, esses missionários afirmavam que Paulo era inferior
aos outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus e que a catequese
apresentada por Paulo não estava em consonância com a doutrina da Igreja.
Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um
violento confronto com os seus detractores. Depois, bastante magoado, retirou-se
para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu
para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
Paulo, entretanto, deixou Éfeso e
foi para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As
notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os
coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
Reconfortado, Paulo escreveu uma
tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma
colecta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa Segunda
Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos no ano 56 ou 57.
O texto que nos é proposto
integra a terceira parte da carta (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Aí Paulo, num estilo
apaixonado, às vezes cáustico, mas sempre levado pela exigência da verdade e da
fé, defende a autenticidade do seu ministério frente a esses “super-apóstolos”
que o acusavam.
Como apóstolo, Paulo não se sente
inferior a ninguém e muito menos aos seus detractores. Estes orgulhavam-se das
suas credenciais e afirmavam por toda a parte os seus dons carismáticos… Paulo,
se quisesse entrar no mesmo jogo, podia orgulhar-se de muitas coisas,
nomeadamente das revelações que recebeu e das suas experiências místicas (cf. 2
Cor 12,1-4); mas ele quer apenas que o vejam como um homem frágil e vulnerável,
a quem Deus chamou e a quem enviou para dar testemunho de Jesus Cristo no meio
dos homens.
MENSAGEM
Assumindo essa condição de
debilidade e de vulnerabilidade, Paulo fala aos Coríntios de uma limitação que
transporta no seu corpo, um “anjo de Satanás” que lhe recorda continuamente a
sua finitude e fragilidade (vers. 7). De que é que se trata, em concreto? Não o
sabemos. Provavelmente, trata-se de uma doença física crónica (em Gal 4,13-14
Paulo fala de uma grave enfermidade física, que fez com que o corpo do apóstolo
fosse, para os Gálatas, “uma provação”; mas nada garante que essa enfermidade
física esteja relacionada com este “anjo de Satanás” de que ele fala aos
Coríntios). O facto de Paulo chamar a essa limitação que o apoquenta um “anjo
de Satanás” deve ter a ver com o facto de a mentalidade judaica ligar as
enfermidades aos “espíritos maus”. De acordo com outra interpretação, esse
“espinho na carne” que é um “anjo de Satanás” poderia referir-se também aos
obstáculos que Satanás põe a Paulo no que diz respeito ao anúncio do Evangelho.
Em todo o caso, o problema
pessoal de Paulo mostra como a finitude e a fragilidade não são determinantes
para a missão; o que é determinante é a graça de Deus… Com a graça de Deus,
Paulo tudo pode, apesar da sua debilidade. Deus não eliminou o problema, apesar
dos insistentes pedidos de Paulo; mas é Ele que dá a Paulo a força para
continuar a sua missão, apesar dos limites que esse “espinho na carne” lhe
impõe. Na verdade, o problema pessoal de que Paulo sofre dá testemunho de que
Deus actua e manifesta o seu poder no mundo através de instrumentos débeis,
finitos e limitados. No apóstolo – ser humano, vivendo na condição de finitude,
de vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e aos homens a força
de Deus e de Cristo.
ACTUALIZAÇÃO
• O caso pessoal de Paulo diz-nos
muito sobre os métodos de Deus… Para vir ao encontro dos homens e para lhes
apresentar a sua proposta de salvação, Deus não utiliza métodos espectaculares,
poderosos, majestosos, que se impõem de forma avassaladora e que deixam uma
marca de estupefacção e de espanto na memória dos povos; mas, quase sempre,
Deus utiliza a fraqueza, a debilidade, a fragilidade, a simplicidade para nos
dar a conhecer os seus caminhos. Nós, homens e mulheres do séc. XXI,
deixamo-nos, facilmente, impressionar pelos grandes gestos, pelos cenários
magnificentes, pelas roupagens sumptuosas, por tudo o que aparece envolvido num
halo cintilante de riqueza, de prestígio social, de poder, de beleza; e, por
outro lado, temos mais dificuldade em reparar naquilo que se apresenta pobre,
humilde, simples, frágil, débil… A Palavra de Deus que hoje nos é proposta
garante-nos que é na fraqueza que se revela a força de Deus. Precisamos de
aprender a ver o mundo, os homens e as coisas com os olhos de Deus e a
descobrir esse Deus que, na debilidade, na simplicidade, na pobreza, na
fragilidade, vem ao nosso encontro e nos indica os caminhos da vida.
• A consciência de que as suas
qualidades e defeitos não são determinantes para o sucesso da missão, pois o
que é importante é a graça de Deus, deve levar o “profeta” a despir-se de
qualquer sentimento de orgulho ou de auto-suficiência. O “profeta” deve
sentir-se, apenas, um instrumento humano, frágil, débil e limitado, através do
qual a força e a graça de Deus agem no mundo. Quando o “profeta” tem
consciência desta realidade, percebe como são despropositadas e sem sentido
quaisquer atitudes de vedetismo ou de busca de protagonismo, no cumprimento da
missão… A missão do “profeta” não é atrair sobre si próprio as luzes da
ribalta, as câmaras da televisão ou o olhar das multidões; a missão do “profeta”
é servir de veículo humano à proposta libertadora de Deus para os homens.
• Como pano de fundo do nosso
texto, está a polémica de Paulo com alguns cristãos que não o aceitavam. Ao
longo de todo o seu percurso missionário, Paulo teve de lidar frequentemente
com a incompreensão; e, muitas vezes, essa incompreensão veio até dos próprios
irmãos na fé e dos membros dessas comunidades a quem Paulo tinha levado, com
muito esforço, o anúncio libertador de Jesus. No entanto, a incompreensão nunca
abalou a decisão e o entusiasmo de Paulo no anúncio da Boa Nova de Jesus… Ele
sentia que Deus o tinha chamado a uma missão e que era preciso levar essa
missão até ao fim, doesse a quem doesse… Frequentemente, temos de lidar com
realidades semelhantes. Todos experimentámos já momentos de incompreensão e de
oposição (que, muitas vezes, vêm do interior da nossa própria comunidade e que,
por isso, magoam mais). É nessas alturas que o exemplo de Paulo deve brilhar
diante dos nossos olhos e ajudar-nos a vencer o desânimo e a tentação de
desistir.
• Neste texto de Paulo (como,
aliás, em quase todos os textos do apóstolo), transparece a atitude de vida de
um cristão para quem Cristo é, verdadeiramente, o centro da própria existência
e que só vive em função de Cristo… Nada mais lhe interessa senão anunciar as
propostas de Cristo e dar testemunho da graça salvadora de Cristo. Que lugar
ocupa Cristo na minha vida? Que lugar ocupa Cristo nos meus projectos, nas
minhas decisões, nas minhas opções, nas minhas atitudes?
ALELUIA – cf. Lc 4,18
Aleluia. Aleluia.
O Espírito do Senhor está sobre
mim:
Ele me enviou a anunciar o
Evangelho aos pobres.
EVANGELHO – Mc 6,1-6
Evangelho de Nosso Senhor Jesus
Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se à sua terra
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou o sábado, começou a
ensinar na sinagoga.
Os numerosos ouvintes estavam
admirados e diziam:
«De onde Lhe vem tudo isto?
Que sabedoria é esta que Lhe foi
dada
e os prodigiosos milagres feitos
por suas mãos?
Não é ele o carpinteiro, Filho de
Maria,
e irmão de Tiago, de José, de
Judas e de Simão?
E não estão as suas irmãs aqui
entre nós?»
E ficavam perplexos a seu
respeito.
Jesus disse-lhes:
«Um profeta só é desprezado na
sua terra,
entre os seus parentes e em sua
casa».
E não podia ali fazer qualquer
milagre;
apenas curou alguns doentes,
impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé
daquela gente.
E percorria as aldeias dos
arredores, ensinando.
AMBIENTE
O Evangelho de hoje fala-nos de
uma visita à “terra” de Jesus. De acordo com Mc 1,9, a “terra” de Jesus era
Nazaré, uma pequena vila da Galileia situada a 22 Km a oeste do Lago de
Tiberíades. Esta povoação tipicamente agrícola nunca teve grande importância no
universo na história do judaísmo… O Antigo Testamento ignora-a completamente;
Flávio Josefo e os escritores rabínicos também não lhe fazem qualquer
referência. Os contemporâneos de Jesus parecem conceder-lhe escassa
consideração (cf. Jo 1,46). Nazaré é, no entanto, a cidade onde Jesus cresceu e
onde reside a sua família.
A cena principal que nos é
relatada por Marcos passa-se na sinagoga de Nazaré, num sábado. Jesus, como
qualquer outro membro da comunidade judaica, foi à sinagoga para participar no
ofício sinagogal; e, fazendo uso do direito que todo o israelita adulto tinha,
leu e comentou as Escrituras.
O episódio que nos é proposto
integra a primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30). Aí,
Jesus é apresentado como o Messias que proclama, por toda a Galileia, o Reino
de Deus. Na secção que vai de 3,7 a 6,6, contudo, Marcos refere-se
especialmente à reacção do Povo face à proclamação de Jesus… À medida que o
“caminho do Reino” vai avançando, vão-se multiplicando as oposições e
incompreensões face ao projecto que Jesus anuncia. O nosso texto deve ser
entendido neste ambiente.
MENSAGEM
Os ensinamentos de Jesus na
sinagoga, naquele sábado, deixam impressionados os habitantes de Nazaré, como
já tinham deixado impressionados os fiéis da sinagoga de Cafarnaum (cf. Mc
1,21-28). No entanto, os de Cafarnaum, depois de ouvir Jesus, reconheceram a
sua autoridade mais do que divina (e que, segundo eles, era diferente da
autoridade dos doutores da Lei); os de Nazaré vão chegar a conclusões
distintas.
Depois de escutarem Jesus, na
sinagoga, os seus conterrâneos traduzem a sua perplexidade através de várias
perguntas… Duas das questões postas dizem respeito à origem e à qualidade dos
ensinamentos de Jesus (“de onde lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe
foi dada?” – vers. 2); uma outra questão refere-se à qualificação das acções de
Jesus (“e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?” – vers. 2).
Numa espécie de contraponto à
impressão que Jesus lhes deixou, eles recordam o seu ofício e a “normalidade”
da sua família (vers. 3a)… Para eles, Jesus é “o carpinteiro”: não é um
“rabbi”, nunca estudou as Escrituras com nenhum mestre conceituado e não tem
qualificações para dizer as coisas que diz. Por outro lado, eles conhecem a
identidade da família de Jesus e não descobrem nela nada de extraordinário: Ele
é o “filho de Maria” e os seus irmãos e irmãs são gente “normal”, que toda a
gente conhece em Nazaré e que nunca revelaram qualidades excepcionais.
Portanto, parece claro que o papel assumido por Jesus e as acções que Ele
realizou são humanamente inexplicáveis.
A questão seguinte (que, no
entanto, não aparece explicitamente formulada) é esta: estas capacidades
extraordinárias que Jesus revela (e que não vêm certamente dos conhecimentos
adquiridos no contacto com famosos mestres, nem do ambiente familiar) vêm de
Deus ou do diabo? Desde o primeiro momento, os comentários dos habitantes de
Nazaré deixam transparecer uma atitude negativa e um tom depreciativo na
análise de Jesus. Nem sequer se referem a Jesus pelo próprio nome, mas usam
sempre um pronome para falar d’Ele (Jesus é “este” ou “ele” - vers. 2-3).
Depois, chamam-Lhe depreciativamente “o filho de Maria” (o costume era o filho
ser conhecido em referência ao pai e não à mãe). Como cenário de fundo do
pensamento dos habitantes de Nazaré está provavelmente a acusação feita a Jesus
algum tempo antes pelos “doutores da Lei que haviam descido de Jerusalém e que
afirmavam: «Ele tem Belzebu! É pelo chefe dos demónios que ele expulsa os
demónios»“ (Mc 3,22). Marcos conclui que os habitantes de Nazaré ficaram
“escandalizados” (vers. 3b) com Jesus (o verbo grego “scandalidzô”, aqui
utilizado, significa muito mais do que o “ficar perplexo” das nossas traduções:
significa “ofender”, “magoar”, “ferir susceptibilidades”). Há na vila uma
espécie de indignação porque Jesus, apesar de ter sido desautorizado pelos
mestres reconhecidos do judaísmo, continua a desenvolver a sua actividade à
margem da instituição judaica. Ele põe em causa a religião tradicional, quando ensina
coisas diferentes e de forma diferente dos mestres reconhecidos. Conclusão: Ele
está fora da instituição judaica; o seu ensinamento não pode, portanto, vir de
Deus, mas do diabo. Os conterrâneos de Jesus não conseguem reconhecer a
presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.
Jesus responde aos seus
concidadãos (vers. 4) citando um conhecido provérbio, mas que Ele modifica, em
parte (o original devia soar mais ou menos assim: “nenhum profeta é respeitado
no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus conhecidos”).
Nessa resposta, Jesus assume-Se como profeta – isto é, como um enviado de Deus,
que actua em nome de Deus e que tem uma mensagem de Deus para oferecer aos
homens. Os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos mestres judaicos, mas do
próprio Deus; a vida que Ele oferece é a vida plena e verdadeira que Deus quer
propor aos homens.
A recusa generalizada da proposta
que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes profetas de Israel. O Povo teve
sempre dificuldade em reconhecer o Deus que vinha ao seu encontro na palavra e
nos gestos proféticos. O facto de as propostas apresentadas por Jesus serem
rejeitadas pelos líderes, pelo povo da sua terra, pelos seus “irmãos e irmãs” e
até pelos da sua casa não invalida, portanto, a sua verdade e a sua procedência
divina.
Porque é que Jesus “não podia ali
fazer qualquer milagre” (vers. 5)? Deus oferece aos homens, através de Jesus,
perspectivas de vida nova e eterna… No entanto, os homens são livres; se eles
se mantêm fechados nos seus esquemas e preconceitos egoístas e rejeitam a vida
que Deus lhes oferece, Jesus não pode fazer nada. Marcos observa, apesar de
tudo, que Jesus “curou alguns doentes impondo-lhes as mãos”. Provavelmente,
estes “doentes” são aqueles que manifestam uma certa abertura a Jesus mas que,
de qualquer forma, não têm a coragem de cortar radicalmente com os mecanismos
religiosos do judaísmo para descobrir a novidade radical do Reino que Jesus
anuncia.
Marcos nota ainda a “surpresa” de
Jesus pela falta de fé dos seus concidadãos (vers. 6a). Esperava-se que,
confrontados com a proposta nova de liberdade e de vida plena que Jesus
apresenta, os seus interlocutores renunciassem à escravidão para abraçar com
entusiasmo a nova realidade… No entanto, eles estão de tal forma acomodados e instalados,
que preferem a vida velha da escravidão à novidade libertadora de Jesus.
Este facto decepcionante não
impede, contudo, que Jesus continue a propor a Boa Nova do Reino a todos os
homens (vers. 6b). Deus oferece, sem interrupção, a sua vida; ao homem resta
acolher ou não esse oferecimento.
ACTUALIZAÇÃO
• O texto do Evangelho repete uma ideia que aparece também nas outras duas leituras deste domingo, Deus manifesta-Se aos homens na fraqueza e na fragilidade. Normalmente, Ele não se manifesta na força, no poder, nas qualidades que o mundo acha brilhantes e que os homens admiram e endeusam; mas, muitas vezes, Ele vem ao nosso encontro na fraqueza, na simplicidade, na debilidade, na pobreza, nas situações mais simples e banais, nas pessoas mais humildes e despretensiosas… É preciso que interiorizemos a lógica de Deus, para que não percamos a oportunidade de O encontrar, de perceber os seus desafios, de acolher a proposta de vida que Ele nos faz…
• Um dos elementos questionantes
no episódio que o Evangelho deste domingo nos propõe é a atitude de fechamento
a Deus e aos seus desafios, assumida pelos habitantes de Nazaré. Comodamente
instalados nas suas certezas e preconceitos, eles decidiram que sabiam tudo
sobre Deus e que Deus não podia estar no humilde carpinteiro que eles conheciam
bem… Esperavam um Deus forte e majestoso, que se havia de impor de forma
estrondosa, e assombrar os inimigos com a sua força; e Jesus não se encaixava
nesse perfil. Preferiram renunciar a Deus, do que à imagem que d’Ele tinham
construído. Há aqui um convite a não nos fecharmos nos nossos preconceitos e
esquemas mentais bem definidos e arrumados, e a purificarmos continuamente, em
diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta da Palavra revelada e
na oração, a nossa perspectiva acerca de Deus.
• Para os habitantes de Nazaré
Jesus era apenas “o carpinteiro” da terra, que nunca tinha estudado com grandes
mestres e que tinha uma família conhecida de todos, que não se distinguia em
nada das outras famílias que habitavam na vila; por isso, não estavam dispostos
a conceder que esse Jesus – perfeitamente conhecido, julgado e catalogado –
lhes trouxesse qualquer coisa de novo e de diferente… Isto deve fazer-nos
pensar nos preconceitos com que, por vezes, abordamos os nossos irmãos, os
julgamos, os catalogamos e etiquetamos… Seremos sempre justos na forma como
julgamos os outros? Por vezes, os nossos preconceitos não nos impedirão de
acolher o irmão e a riqueza que Ele nos traz?
• Jesus assume-Se como um
profeta, isto é, alguém a quem Deus confiou uma missão e que testemunha no meio
dos seus irmãos as propostas de Deus. A nossa identificação com Jesus faz de
nós continuadores da missão que o Pai Lhe confiou. Sentimo-nos, como Jesus,
profetas a quem Deus chamou e a quem enviou ao mundo para testemunharem a
proposta libertadora que Deus quer oferecer a todos os homens? Nas nossas
palavras e gestos ecoa, em cada momento, a proposta de salvação que Deus quer
fazer a todos os homens?
• Apesar da incompreensão dos
seus concidadãos, Jesus continuou, em absoluta fidelidade aos planos do Pai, a
dar testemunho no meio dos homens do Reino de Deus. Rejeitado em Nazaré, Ele
foi, como diz o nosso texto, percorrer as aldeias dos arredores, ensinando a
dinâmica do Reino. O testemunho que Deus nos chama a dar cumpre-se, muitas
vezes, no meio das incompreensões e oposições… Frequentemente, os discípulos de
Jesus sentem-se desanimados e frustrados porque o seu testemunho não é
entendido nem acolhido (nunca aconteceu pensarmos, depois de um trabalho
esgotante e exigente, que estivemos a perder tempo?)… A atitude de Jesus
convida-nos a nunca desanimar nem desistir: Deus tem os seus projectos e sabe
como transformar um fracasso num êxito.
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 14º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Os ouvintes estão admirados, chocados… Como poderia Jesus fazer milagres quando se punha em dúvida as suas palavras de profeta e os seus actos de salvador? Com efeito, os seus conterrâneos olham-n’O apenas com os olhos de carne, só vêem n’Ele o filho do carpinteiro com quem tinham jogado, trabalhado, escutado a lei na sinagoga… Não reconhecem n’Ele o enviado de Deus. Falta-lhes o olhar da fé para ler no seu ensino a mensagem de Deus e nos seus milagres sinais do Todo-Poderoso. E quanto a nós, como está o nosso olhar de fé, ao vermos Jesus e os seus sinais de salvação?
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Testemunho profético… Afinal, o que é um profeta? A ideia mais espalhada é que é alguém que prevê e anuncia o futuro. Esses profetas não faltam hoje… Ora, como Ezequiel, o verdadeiro profeta está habitado, em primeiro lugar, pelo Espírito Santo, para ser em seguida enviado aos seus irmãos em humanidade e lhes anunciar a Palavra de Deus. Mas não se trata de uma missão de descanso! A Palavra de Deus inquieta sempre, porque convida os homens a descentrarem-se de si mesmos. Ezequiel é enviado a um povo de rebeldes, que têm o rosto duro e o coração obstinado. Nestas circunstâncias, não é fácil fazer-se ouvir. A missão do profeta não é prazer. Jesus fez a experiência… Basta ver a atitude dos seus conterrâneos… A própria família tinha tentado impedi-lo de falar. Ora, pelo nosso baptismo e confirmação, todos somos chamados a ser profetas, a deixarmo-nos habitar pelo Espírito, pela Palavra de Deus, para nos tornarmos arautos e testemunhas onde vivemos. O Concílio Vaticano II, recuperando esta missão profética dos baptizados, declara que estes últimos recebem todos o sentido da fé e a graça da palavra, a fim de que brilhe na sua vida quotidiana a força do Evangelho. Os cristãos não devem esconder este testemunho e esta palavra no segredo do seu coração, mas devem exprimi-lo também através das estruturas da vida do mundo. Há que tomar a sério esta missão profética!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
A cada um o seu chamamento… Cada um de nós pode reflectir qual é o chamamento pessoal do Senhor, à volta de três palavras: vocação – graça – dificuldades. Qual é a minha vocação, a que é que Deus me chama, aonde me envia? Como se manifesta em mim a sua graça? Quais as dificuldades que encontro, como as ultrapassar? Viveremos então, no recomeço do ano, um novo início de caminhada.
(Vide Fonte acima)
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